Resolução CVM nº 175: um novo marco no mercado brasileiro de fundos de investimento

Resolução CVM nº 175: um novo marco no mercado brasileiro de fundos de investimento

qua 24 jan 2024

Com o objetivo principal de alinhar os normativos dos fundos à Lei de Liberdade Econômica de 2019, não tendo ficado restrito a isso, foi editada a Resolução CVM nº 175, que estabelece um novo marco referencial no mercado de Fundos de Investimentos no Brasil, ao trazer mudanças importantes tanto do ponto de vista do investidor, principal foco das mudanças, mas também para os participantes da cadeia como os administradores, gestores e prestadores de serviços no segmento, tendo como objetivo central a diminuição do custo de observância.   

A indústria de fundos no Brasil apresentou um crescimento expressivo ao longo das últimas décadas, com criação de produtos dos mais diversos, de massificados a customizados, e demandava uma padronização e uniformidade para garantir, dentre outros aspectos, maior segurança e transparência aos participantes.

Para se ter uma ideia desse crescimento, o relatório Consolidado Histórico de Fundos de Investimentos divulgado pela Anbima, de 2021, mostra a evolução da indústria em praticamente todas as categorias de fundos. Nos últimos dez anos, o número de fundos “multimercado” dobrou, passando de 6.307 fundos em 2012 para 12.767 em 2021, assim como os fundos de ações também quase dobraram, passando de 1.963 em 2021 para 3.844 em 2021. Outra alta expressiva se deu no número de fundos de previdência, mais do que triplicaram de 2012 para 2021, passando de 898 para 3.305. Além do valor alocado e do número de fundos por categoria, a quantidade de gestores também cresceu de forma acelerada. 

Esses números evidenciam quão importante é a modernização das legislações aplicáveis, para garantir que o mercado possa continuar crescendo-se desenvolvendo com segurança, transparência e possibilitando a entrada de novos investidores, inclusive e principalmente, aqueles que não tinham acesso a esses produtos.    

Descendente das Instruções CVM nº 409/04 e CVM nº 555/14, a Resolução CVM nº 175 foi publicada em dezembro de 2022, consolidando todas as informações e orientações normativas aplicáveis a todas as classes e tipos de estruturas de fundos de investimento atualmente existentes no Brasil em um único documento. 

O cronograma estabelecido pelo regulador permitirá que administradores, gestores e participantes do mercado se ajustem gradualmente às mudanças para um menor impacto e adequada aderência ao novo normativo. 

Resolução de um impasse histórico 

Anteriormente, havia diversas regulações de acordo com cada tipo de fundo. Por exemplo, os Fundos de Investimento em Participações eram regulados pelas normas ICVM 578 e 579, porém o regramento da ICVM 555 também era aplicável para esse tipo de fundo quando algum tema não estivesse claramente descrito na regulação específica.  Esse problema deixou de existir com a Res. no. 175 uma vez que o arcabouço agora é único, chamado de Regra Geral, e as especificidades de cada tipo de fundo passam a fazer parte dos anexos à Resolução CVM nº 175, como por exemplo, o Anexo II, que trata dos FIDC.   

FIDC (Anexo II da Resolução CVM nº 175) 

A norma afeta todos as modalidades de fundos, mas vamos tratar de forma mais específica dos FIDCs, em função do impacto mais relevante e imediato que o mercado deve observar dada a importância do produto no mercado brasileiro, incluindo o de crédito.  

Um dos objetivos principais da Resolução CVM nº 175 é aumentar a oferta de produtos ao mercado, especialmente para o varejo (especificamente para as pessoas físicas) e, certamente, as mudanças trazidas para o FIDC cumpriram esse papel, uma vez que leva para o varejo um produto que estava restrito a investidores profissionais.  Na prática, cumpridos os requisitos previstos, esses investidores do varejo passam a ter acesso a produtos como fundos que investem no mercado de precatórios federais, por exemplo.  

Outra mudança relevante foi a redefinição dos papeis e responsabilidades entre o administrador, gestor e prestadores de serviço, incluindo a registradora. Por exemplo, a responsabilidade sobre toda a verificação do lastro (garantia e integridade) dos direitos creditórios, que antes era de responsabilidade dos administradores, passa agora para os gestores, que tinham um papel praticamente de girar a carteira, muito embora, na prática, estivessem muito próximos de toda estruturação do fundo, escolha dos direitos creditórios e monitoramento do lastro. 

Na nova regulação, os gestores passam a ser os responsáveis legais e formais pela estruturação do fundo, atividade conhecida no mercado como “colocar o fundo de pé”, absorveram, também, toda responsabilidade pelo lastro que ainda estava com o custodiante, então contratado pelo administrador, que passa a assumir parte do papel do custodiante de guarda dos documentos e liquidação financeira.  

Com as mudanças introduzidas, teremos um modelo de gestão de riscos associados a integridade e performance do lastro.  

Novos entrantes  

Com a entrada das fintechs no mercado, incluindo as Instituições de Pagamento (“IPs”), e a criação dos arranjos de pagamento fechados, e na esteira da agenda do BACEN que tem buscado gerar um ambiente de aumento concorrencial no mercado financeiro e maior oferta de produtos, algumas mudanças introduzidas pela Resolução CVM nº 175 foram fundamentais para proporcionar o aumento da oferta de crédito para empresas de médio e pequeno porte que tem feito cada vez mais uso desses arranjos de pagamento por intermédio das fintechs e IPs e operações de estruturação que não se concretizavam, passam a sair do papel efetivamente.  

Entidades registradoras  

Nesse novo contexto de mercado, inclusive com o advento das fintech, a norma prevê o registro dos direitos creditórios nas chamadas Entidades Registradoras, que são reguladas pelo BACEN e iniciaram em 2017.  Hoje o mercado já conta com 5 entidades homologadas.  A norma criou o conceito de Passível de Registro que são os direitos creditórios já homologados pelo BACEN a determinada entidade registradora.   

O objetivo no médio e longo prazo é aumentar a segurança através da interoperabilidade, unicidade e segurança no sistema.  Lembrando que casos particulares podem não ser registrados desde que justificado e solicitada a exceção ao regulador.  

Essa questão do registro dos direitos creditórios, embora já tenha sido uma grande evolução no processo, ainda é passível de melhorias com a unificação do processo entre as entidades registradoras e também com a entrada de outras entidades do mercado como as empresas de factoring e securitizadoras que ainda não tem essa obrigatoriedade de registro.  

Objetivo principal do marco regulatório 

Pensando em aproximar a legislação brasileira às melhores práticas da indústria no mundo e alinhando com a Lei da Liberdade Econômica que comentamos anteriormente, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) traz grandes mudanças que diminuem assimetrias existentes com várias normas, aumento da oferta de produtos, redefinição de papeis e responsabilidades entre os agentes, e tudo isso com objetivo principal de atingir os investidores de varejo com o aumento da oferta de produtos, mas sem deixar de lado a segurança no processo.  Na prática, esses investidores poderão acessar produtos mais estruturados, por exemplo os fundos de precatório federais (desde que enquadrados/classificados como direitos creditórios) e os fundos de crédito (CCB, NPs, dentre outros), antes restrito a grandes investidores profissionais ou institucionais e ainda ganham maior proteção e transparência. 

O que mudou nos fundos com a Resolução CVM nº 175

A mudança afeta menos os FIDC uma vez que já utilizava a prerrogativa de cotas sênior, mezanino e subordinada, mas a nomenclatura muda para sub-classe e o mesmo conceito vale para as demais modalidades de fundos, não ficando mais restrito aos FIDCs.  Além disso, estabelece claramente a prerrogativa de utilização de sub-classes mezanino, que já era uma prática de mercado, mas agora com mais clareza dos mecanismos que devem ser adotados.  

Classes: 

  • Devem ser da mesma categoria do fundo; 
  • Anexas aos regulamentos dos fundos; 
  • Patrimônio deve ser segregado por categoria de Fundo (Ativo); 
  • Cada classe conta com um CNPJ; e 
  • As classes não podem realizar aplicações entre si. 

Sub-classes 

  • Devem constar em apêndice ao Anexo do Regulamento; 
  • Podem ser diferenciadas por: 
  1. Público-alvo ou passivo; 
  1. Prazos e condições de aplicação, amortização e resgate; e 
  1. Taxas de administração, gestão, máxima de distribuição, ingresso e saída. 

Uma informação que não era tão clara e que chega com a nova normativa é a transparência sobre a divulgação das taxas cobradas de cada fundo, segregando claramente quanto será destinado a cada participante da cadeia, como administradores, gestores, custodiantes e demais prestadores de serviço.